Economia Monetária
1. Introdução
A Economia Monetária é o ramo da Macroeconomia que estuda questões associadas ao
dinheiro, ou moeda, e seu papel da na economia: quais as funções da moeda; de que forma se dá
sua oferta (como se “cria” moeda); as dificuldades que podem decorrer de um volume inadequado
de moeda (insuficiência ou excesso de oferta), etc. Muitos problemas macroeconômicos
importantes, como a inflação ou o desemprego, relacionam-se direta ou indiretamente com o lado
monetário da economia, ou seja, com o papel exercido pela moeda no sistema econômico.
Em primeiro lugar, trataremos das funções da moeda e sua evolução histórica, para depois
falarmos no funcionamento do sistema bancário e nas políticas do governo em relação ao sistema
monetário.
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2. Funções da Moeda
Pode-se imaginar uma economia primitiva em que se façam apenas trocas de mercadorias
por mercadorias, o chamado escambo: eu produzo milho e troco com você certo número de sacas
desse produto por um bezerro de seu rebanho; uso outras tantas sacas para adquirir um arado de
um terceiro indivíduo, etc. É evidente a ineficiência dessa forma de comércio, quando comparada
com um sistema de trocas em que haja um instrumento intermediário, de aceitação geral — a
moeda. Na ausência de tal instrumento, é necessário que haja coincidência de demandas entre os
dois lados da troca: eu demando seu bezerro e você tem que demandar o milho que eu produzo, ou
de outra forma não haverá transação. Mas se existe moeda, posso simplesmente vender meu milho
por certa quantia monetária e depois comprar com ela o que quiser. É fácil perceber, assim, por
que, em economias baseadas em especialização na produção e trocas entre produtores, cedo se
desenvolveram, historicamente, aqueles instrumentos de intermediação, ou seja, formas de
moeda. (Por outro lado, em sociedades em que a produção para troca não era a regra, não se
institucionalizou esse mecanismo, por desnecessário: foi o caso dos índios brasileiros, antes da
chegada de Cabral, que em geral não comerciavam entre si e não precisavam, portanto, de
dinheiro.)
As formas assumidas pela moeda foram várias, ao longo da História; de fato, os sistemas
monetários têm mostrado constante transformação, desde tempos remotos até os dias atuais. Ao
longo dessas transformações, permaneceu a importância central de um fator subjetivo: a confiança
dos agentes econômicos nas instituições monetárias. Quem recebe moeda em pagamento de uma
venda, o faz por que acredita que outras pessoas aceitarão também recebê-la; quando deposito
meu dinheiro num banco, tenho confiança de que está em mãos seguras, e que poderei retirá-lo
quando quiser. Quando, por qualquer motivo, a confiança na moeda ou nas instituições monetárias
é abalada, podem ocorrer problemas sérios na economia.
Além de meio de troca, a moeda tem ainda duas funções importantes:
Unidade de conta. Em geral a moeda é usada também como padrão de valor para atribuição
de preços. Se um prato de almoço comercial custa R$10, e uma lata de refrigerante custa R$2,
poderíamos exprimir esses preços em valores relativos, dizendo que o almoço custa 5 latas de
refrigerante, e a lata de refrigerante 1/5 do prato de almoço. Ou poderíamos usar uma terceira
mercadoria como padrão; em algumas comunidades agrárias da antiguidade utilizaram-se animais
como unidade de valor — algo valia 2 camelos, por exemplo — mesmo que camelos não fossem
usados como meio de troca. Mas não é assim que fazemos, modernamente: definimos os preços
tomando como referência a unidade de moeda: 1 real, em nosso caso. E o mesmo fazemos para
expressar valores, em geral. A moeda serve, desse modo, como unidade de conta.
Reserva de valor. A moeda é também um instrumento de transferência de poder de compra
do presente para o futuro. Se alguém recebe certa quantia de dinheiro, pode, evidentemente,
guardá-la para ser gasta no futuro; estará, assim, utilizando a moeda como reserva de valor. Há
outras formas comuns de reserva de valor, como imóveis ou terras, mas têm liquidez menor, ou
seja, não podem ser rapidamente usadas para comprar outros bens. (“Liquidez” refere-se à
facilidade ou rapidez com que um ativo pode ser convertido no meio de troca geralmente aceito).
Numa situação de inflação alta e persistente, como tivemos no Brasil antes do Plano Real, a
moeda do país perde utilidade como reserva de valor, pois ninguém vai querer manter seus
recursos sob a forma de algo que tem seu poder de compra reduzido todos os dias, com o aumento
geral de preços. E tem também a utilidade reduzida como unidade de conta, já que fica difícil, por
exemplo, fazer um contrato de prestação de serviços com remuneração fixada numa moeda em
contínua desvalorização. Assim, antes de 1994, pessoas e empresas procuravam “fugir” da moeda
oficial, fazendo aplicações financeiras (mesmo em prazos muito curtos), comprando ativos reais,
como imóveis, etc., em lugar de usar a moeda como reserva de valor. E usavam-se também
unidades de conta alternativas: pagamentos futuros eram contratados em ORTNs (Obrigações
Reajustáveis do Tesouro Nacional), por exemplo, títulos do governo cujo valor em cruzeiros, moeda
da época, eram reajustados diariamente.
No Brasil nunca chegou a haver substituição da moeda em circulação como meio de troca;
em casos de inflação extremamente alta, no entanto (como a ocorrida na Hungria logo após a 2ª
Guerra Mundial, quando o dólar americano chegou a valer, na moeda húngara de então, algo como
1 seguido de 29 zeros), observa-se esse fenômeno, com volta parcial ao escambo.
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3. Evolução histórica da moeda – alguns elementos.
Considerando os óbvios inconvenientes do escambo, pode-se supor que comunidades onde
existisse produção para troca logo buscariam um instrumento de intermediação, para agilizar as
transações. A História registra grande variedade de objetos ou mercadorias usados com esse fim,
como sal, peças de metal, conchas, etc.
Algumas características seriam claramente desejáveis, para que um bem servisse de moeda:
divisibilidade, para permitir transações de baixo valor; durabilidade, para prevenir perdas com a
passagem do tempo; e raridade, para evitar que aumentos constantes na moeda em circulação,
caso esta pudesse ser facilmente obtida por qualquer um, perturbassem o sistema de preços. Não é
surpreendente, assim, que vários povos tenham adotado como moeda, de forma independente, o
ouro ou a prata, metais que têm esses atributos desejáveis. Historiadores mencionam o uso do
ouro como meio de troca já nas antigas civilizações do Egito e Mesopotâmia. A cunhagem de
moedas de ouro e prata também é registrada desde séculos antes de Cristo. Frequentemente as
moedas tinham gravado, como garantia de seu conteúdo em metal, o símbolo de um soberano.
Este, como contrapartida, retinha parte do metal entregue para cunhagem: é a chamada
senhoriagem.
A expansão do comércio estimulou, também, desde épocas remotas, o desenvolvimento de
um setor de crédito nas economias: indivíduos de posses forneciam empréstimos para financiar
transações comerciais, e alguns se especializavam nessa atividade, tornando-se banqueiros. Ao
mesmo tempo, a inconveniência e o risco da manutenção de grandes quantias em moeda metálica,
por particulares, fizeram difundir-se a prática de entregar dinheiro em depósito a tais banqueiros.
Depósitos, reserva fracionária e criação de moeda. Quem deposita dinheiro recebe um
comprovante desse depósito. Se há, numa comunidade, confiança geral no banqueiro que emite
tais comprovantes, estes poderão ser aceitos como forma de pagamento, evitando a necessidade
de que o depositante primeiro resgate seu depósito para só depois efetuar uma transação, fazendo
o pagamento em moeda metálica. Se essa aceitação se generaliza, os recibos de depósito passarão
a circular como um substituto da moeda metálica, um instrumento alternativo de intermediação de
trocas.
Esse é um passo importante na evolução do sistema monetário, abrindo caminho para uma
nova forma de criação de moeda. Se o meio de pagamento geralmente aceito, numa economia, é
constituído apenas de moedas de ouro, por exemplo, o aumento de oferta monetária dependerá da
atividade de mineração desse metal, ou então da obtenção de moeda por meio do comércio
externo: dado que as trocas com o exterior sejam liquidadas em ouro, um excesso de exportações
sobre importações fará aumentar o estoque monetário da economia superavitária. Mas a
concessão de empréstimos por parte dos banqueiros dá origem a uma via adicional de expansão da
oferta monetária.
Isso se dará quando os depositários de dinheiro, dando-se conta de que os recibos de
depósitos raramente são resgatados, passam a dar em empréstimo parte das importâncias sob sua
guarda. Podemos imaginar que, de início, os banqueiros mantivessem em caixa a totalidade dos
depósitos, de tal forma que os recibos em circulação fossem inteiramente cobertos por um “lastro”
em ouro. Haveria apenas uma substituição na forma de efetivação dos pagamentos: em lugar de
serem feitos em metal, seriam realizados por meio dos comprovantes em papel. No que se refere
ao estoque de meios de pagamento, à redução do dinheiro em metal, agora fora de circulação, pois
conservado nos cofres dos banqueiros, corresponde um aumento, no mesmo valor, dos depósitos
junto aos banqueiros. Como esses depósitos podem ser transferidos de um indivíduo a outro, pela
circulação dos recibos, são também um meio de troca, ou seja, são uma forma de moeda. Esse é
um ponto importante: depósitos são moeda. O valor dos depósitos está registrado nos livros dos
banqueiros, razão por que esse novo tipo de moeda é também chamado de moeda escritural. No
caso em que os metais depositados são integralmente mantidos em caixa, reduz-se a moeda
metálica, mas aumentam equivalentemente os depósitos, a moeda escritural: não há, portanto,
criação de moeda.
A partir do momento em que o banqueiro decida manter em caixa apenas uma parcela do
metal com ele depositado, no entanto, a coisa muda de figura. Vamos supor que ele decida reter
20% do metal depositado e emprestar o restante. Nesse caso, os 80% devolvidos à circulação são
um acréscimo ao estoque de moeda da comunidade, já que o montante de depósitos não se
alterou, mantendo-se portanto o nível anterior da moeda escritural.
Em lugar de dar empréstimos em moeda metálica, o banqueiro poderia também conceder
créditos por meio da emissão de recibos “falsos”, isto é, sem cobertura de uma reserva integral em
metal, mas registrados em seus livros como depósitos do tomador do empréstimo. De uma forma
ou de outra, a prática de manutenção de uma “reserva fracionária” pelos banqueiros — só ficando
em caixa, como reserva ou lastro, uma fração dos depósitos totais — determina o surgimento de
uma nova forma de moeda. Os recibos em circulação, o chamado papel-moeda, constituem o
instrumento de transferência de posse da moeda escritural, os depósitos.
Com a evolução das instituições de crédito, o papel-moeda assumiu a forma de notas
emitidas por bancos comerciais. Em certa fase do desenvolvimento do sistema monetário,
circulavam, simultaneamente, notas emitidas por diferentes bancos.
Como facilmente se percebe, a difusão da moeda escritural aumentou bastante o
componente de confiança intrínseco ao sistema monetário. De fato, não se trata agora apenas de
confiar que o banqueiro devolva o dinheiro depositado: há a possibilidade concreta de que ele não
possa fazê-lo, por falta de fundos. Um banqueiro tem que calcular corretamente a parcela dos
depósitos que deve ser mantida em reserva, visando cobrir o movimento normal de retiradas; e
deve ainda adotar uma política prudente de concessão de empréstimos, para evitar que a eventual
inadimplência dos devedores comprometa sua capacidade de pagamento. Se ele age com
competência e moderação, tudo funciona a contento. Mas se o banqueiro, ao contrário, buscando
maximizar seus lucros, emprestar uma fração excessivamente grande do dinheiro depositado, ou
fizer empréstimos temerários, pode chegar a uma situação em que não seja capaz de honrar o
resgate de depósitos, por não ter o dinheiro disponível. Se aceito os recibos que o banqueiro emite
isso significa que tenho confiança em seu bom comportamento. Não é por outra razão que o papel-
moeda sem lastro em metal tem também o nome de moeda fiduciária, quer dizer, moeda baseada
na confiança.
A simples suspeita de que o banqueiro esteja insolvente pode levá-lo à insolvência. No
sistema de reserva fracionária, caso todos os depositantes decidam retirar seu dinheiro ao mesmo
tempo, não haverá, é óbvio, caixa suficiente para atendê-los. Assim, se ocorrem fatos — ou apenas
boatos — que causem uma perda generalizada de confiança em determinado banqueiro,
provocando uma “corrida” de seus correntistas por saques em dinheiro, isso fatalmente provocará
sua falência — a não ser que ele receba um reforço de fundos de alguma fonte. E essa falência trará
prejuízos generalizados, pela impossibilidade de os depositantes receberem de volta seu dinheiro
(ou de fazerem pagamentos com os recibos do banqueiro falido, que ninguém mais aceitará).
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4. Bancos centrais
O surgimento de bancos centrais relacionou-se com a busca de estabilidade no sistema bancário
e segurança para os depositantes, evitando as perdas decorrentes da quebra de bancos. Como
vimos, a manutenção de uma reserva de caixa muito reduzida ou a concessão de empréstimos
arriscados podem levar à falência do banco e prejuízos para muita gente. E há ainda o risco de
contágio: a quebra de um banco pode levantar no público a suspeita de que outros bancos também
estejam em dificuldades, induzindo um movimento generalizado de retirada de depósitos —, o que
pode abalar todo o sistema bancário. A ocorrência de quebras de bancos em diversos países, no
século XIX, especialmente em períodos de recessão econômica, ressaltou a vantagem de uma
instituição que supervisionasse a operação dos bancos e também os socorresse, quando
necessitassem de recursos adicionais.
Essa instituição é o banco central. Bancos com algumas das funções acima existem desde o
século XVII, como o Banco da Inglaterra, mas grande parte dos atuais bancos centrais data da
segunda parte do século XIX ou primeira metade do século XX. No Brasil, embora funções típicas de
autoridade monetária fossem exercidas antes por outros órgãos, o Banco Central só veio a ser
criado em 1965.
Além de fiscalizar o sistema bancário e fornecer empréstimos aos bancos, quando necessário —
é o chamado “emprestador de última instância”, ou “banco dos bancos” — , o Banco Central é, de
forma geral, o executor da política monetária do governo, que tem como principais instrumentos a
regulação da oferta monetária e a fixação da taxa básica de juros da economia, e como um dos
objetivos centrais a manutenção do valor da moeda, ou seja, o controle da inflação.
Uma inovação recente foi a criação de um banco central supranacional, no caso da União
Européia, onde a emissão de moeda, a regulação do sistema financeiro e a definição e
implementação da política monetária, para os países que adotaram o euro como moeda comum,
são atribuídos ao Banco Central Europeu.
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5. Meios de pagamento nas economias modernas
Com a evolução dos sistemas monetários, os governos, por meio dos bancos centrais, foram
assumindo o monopólio da emissão de notas, o que é a regra, atualmente, na generalidade dos
países.
Também a função dos metais, ouro e prata, como base dos sistemas monetários,
representado o lastro do papel-moeda emitido, foi sendo gradualmente abandonada. Uma razão
disso foi a grande expansão da economia mundial, desde o século XIX, em contraste com as
possibilidades relativamente limitadas de crescimento do estoque mundial desses metais.
Defensores de um sistema monetário com lastro metálico frequentemente apontavam nele a
vantagem de impor uma disciplina à expansão monetária, evitando emissões excessivas de papel-
moeda; mas um controle efetivo pelo banco central pode suprir tal disciplina, tornando
desnecessário, nessa perspectiva, um lastro metálico.
Mas a ruptura dos laços entre os sistemas monetários e o ouro foi um processo lento, que
se desenvolveu, por etapas, até os nossos dias. Progressivamente foi sendo reduzida a
convertibilidade do papel-moeda em metais; costuma-se dizer que a “desmonetização” do ouro
completou-se em 1971, quando os Estados Unidos, que até então se comprometiam a trocar
dólares dos bancos centrais por ouro, cessaram de fazê-lo. Mas há, até hoje, resquícios daqueles
laços; e cabe lembrar que o ouro é ainda muito usado como reserva de valor, tanto por governos
(vários países mantêm parte de suas reservas internacionais em ouro) como por indivíduos.1 Na
recente crise financeira internacional, o preço do ouro subiu muito, sinal de um aumento
expressivo em sua demanda como investimento seguro, num período quando havia muitas
incertezas quanto a outras aplicações.
Na atualidade, o papel-moeda emitido pelos bancos centrais é aceito como meio de
pagamento por força de lei, e não por que tenha um lastro em ouro ou em prata. O abandono dos
metais em favor da chamada moeda “de curso forçado” (aceita por imposição legal) não modificou
essencialmente, no entanto, o mecanismo de criação de moeda por meio da concessão de
empréstimos, esquematizado acima. Os bancos seguem mantendo em caixa, sob a forma de papel-
moeda, só uma parcela dos depósitos recebidos, e com isso aumentam a oferta de moeda. O que
significa que a confiança continua sendo um elemento central do funcionamento do sistema
monetário. A recente crise financeira internacional, a partir de 2007, mostrou claramente os
enormes abalos que podem ser causados por uma queda de confiança em instituições do mercado
financeiro.
Contemporaneamente o sistema monetário continua a evoluir, com a difusão de novos
sistemas de transferência de depósitos bancários, como os cartões de débito, as transferências
eletrônicas e os débitos automáticos em conta, que crescentemente substituem o uso de cheques;
com a concessão automática de crédito, até certo limite, pelos cartões de crédito; etc.
Medida dos meios de pagamento. A forma básica de dinheiro, atualmente, são as notas e
moedas emitidas pelos bancos centrais. Mas, como vimos, depósitos bancários são também moeda.
Assim, a definição mais usual dos meios de pagamento de uma economia é a soma do papel-moeda
(e moedas) em poder do público (ou seja, em circulação) e dos depósitos à vista nos bancos
comerciais.
Um dos objetivos da política monetária, como vimos, é o controle da quantidade de moeda
na economia, tendo em vista, principalmente, evitar que um excesso de oferta produza pressões
inflacionárias. Por exemplo: uma expansão de empréstimos, fazendo crescer os meios de
pagamento, pode provocar aumento significativo na demanda por bens e serviços, forçando seus
preços para cima. Nesse contexto, pode ser relevante, para a autoridade monetária, avaliar não só
o volume de depósitos à vista como também o de outros ativos que possam ser facilmente
transformados nesses depósitos, como as aplicações em caderneta de poupança. Isso levou a
definições mais amplas do estoque de moeda da economia. Assim, no Brasil, o Banco Central utiliza
quatro conceitos de meios de pagamento. Além da definição acima (rotulada de M1), há também
os conceitos M2, M3 e M4, incluindo, cada vez, ativos financeiros com liquidez (ou seja, capacidade
de transformação em depósitos à vista) decrescente. Assim,
M1 = papel-moeda e moedas em poder do público + depósitos à vista
M2 = M1 + depósitos de poupança + aplicações em títulos privados
Para as definições de M3 e M4, e a relação entre essas grandezas no período recente, o leitor
interessado poderá consultar na internet o Boletim do Banco Central, no endereço:
http://www.bcb.gov.br/?red-boletimes
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6. O sistema bancário e a criação de moeda.
O sistema bancário de uma economia moderna consiste, essencialmente, do conjunto de
bancos comerciais, que recebem depósitos e concedem empréstimos, e de uma instituição
reguladora, o banco central.2 Assim como os primitivos banqueiros, os bancos comerciais da
atualidade mantêm em caixa uma parcela dos depósitos recebidos e emprestam o restante a
empresas e indivíduos, cobrando juros, sendo essa sua fonte básica de receita.
Imagine agora que certa pessoa foi a um banco e pegou dinheiro emprestado para comprar
um carro, pagou pelo carro à concessionária e esta, por sua vez, depositou o dinheiro recebido em
outro banco. Esse outro banco, como o primeiro, pode novamente emprestar parte do dinheiro
depositado a outros tomadores, que por seu turno farão compras ou outros pagamentos a firmas e
indivíduos, os quais também depositarão o dinheiro que receberem em seus bancos. E assim por
diante. Para avaliar a expansão da quantidade de moeda associada a esse processo, vamos adotar
as seguintes hipóteses simplificadoras: (i) ninguém mantém em dinheiro em casa ou na caixa das
empresas: todas as importâncias recebidas são imediatamente depositadas num banco; (ii) todos
os bancos mantêm a mesma taxa de reserva, de 20%, e emprestam o restante; (iii) há tomadores
para os empréstimos de todos os bancos.
Suponha que o banco A receba um depósito de $1.000 de João, em notas do banco central.
O dinheiro vai para a caixa do banco, portanto retirado de circulação; mas em compensação o
banco lança em seus registros um depósito daquele valor em favor de João. Conservando $200
como reserva, o banco A empresta $800 a José, repondo essa importância em circulação; José faz
compras com o dinheiro emprestado e o valor é depositado pelo vendedor no banco B. O total de
moeda agora é $1.800. Esse banco manterá igualmente 20% em caixa ($160) como reserva do
depósito recebido e emprestará $640 a Antônio, valor que irá parar no banco C; o total de moeda
sobe a 1.800 + 640 = $2.440. O banco C, por sua vez, manterá $128 em reserva e dará $512 em
empréstimo, que serão depositados no banco D, elevando o total de moeda a $2.952. E assim por
diante, numa sucessão de depósitos e empréstimos em cadeia.
Qual pressuposto (i) acima, a importância inicial ficará toda, ao final do ciclo de depósitos e
empréstimos, na caixa dos bancos. Ou seja, um acréscimo de $1.000 no encaixe do conjunto de
bancos. Como todos eles mantêm uma relação de 1 para 5 (20%) entre encaixe e depósitos, segue-
se que o montante adicional de depósitos (e portanto de moeda) será de $5.000. Ou seja: a quantia
inicial de $1.000 em notas do banco central deu origem a um aumento no estoque de moeda cinco vezes
o valor total dos empréstimos concedidos.
No Brasil, atualmente, os bancos são, em sua maioria, “bancos múltiplos”, podendo atuar tanto como bancos
comerciais como em outras áreas do mercado financeiro, como o crédito imobiliário, o arrendamento mercantil, etc.
vezes maior. (Lembrar que os $1.000, agora integralmente na caixa do sistema bancário, não são
contabilizados nesse aumento, pois não fazem parte dos meios de pagamento).
Diz-se que o sistema bancário multiplica o dinheiro emitido pelo banco central. Como se
percebe do raciocínio acima, o valor desse multiplicador (M), com as hipóteses simplificadoras
adotadas, é o inverso da taxa de reserva (R).3
M=1/R
No exemplo, M = 1 / 0,2 = 10 / 2 = 5.
Podemos chegar a esse resultado por outra via. As parcelas sucessivas de acréscimo aos
meios de pagamento formam uma progressão geométrica decrescente, de razão 0,8: 1.000, 800,
640, 512, … Lembrando, da matemática do ensino médio, que o limite da soma dos termos de uma
progressão geométrica decrescente e ilimitada é dado por: a1 / (1-q) onde (a1) é o termo inicial
e (q) a razão, vê-se que soma dos aumentos nos meios de pagamento vai convergir, no exemplo
acima, para 1.000·(1/0,2) ou 5.000, como havíamos obtido.
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7. O controle da oferta de moeda
Os bancos centrais (BCs) regulam a quantidade de meios de pagamento da economia de
várias formas. Em primeiro lugar, o BC controla diretamente a emissão de papel-moeda, que ocorre
quando a produção de novas cédulas e moedas é maior do que a necessária à substituição das
cédulas e moedas velhas.4 Além disso, o BC influencia a capacidade dos bancos comerciais de
conceder créditos, e portanto criar moeda escritural, mediante três instrumentos principais: a
fixação de reservas compulsórias, as operações de mercado aberto, e as operações de redesconto.
As reservas compulsórias são uma determinada proporção dos depósitos recebidos que os
bancos comerciais devem, obrigatoriamente, depositar no BC. Funcionam como uma reserva
adicional, acima do encaixe que os bancos mantêm para cobrir o movimento normal de retiradas
dos clientes. Como o multiplicador bancário é, no caso simplificado visto acima, o inverso da taxa
de reserva, é evidente que o aumento das reservas compulsórias significa uma redução na criação
de moeda pelo sistema bancário. Simetricamente, a redução nas reservas compulsórias terá o
efeito de permitir maior expansão na oferta monetária.
A taxa ou razão de reserva é também chamada de taxa de encaixe, ou de relação encaixe/depósito.
Como vimos, na generalidade dos países, atualmente, apenas o banco central pode emitir papel-moeda.
As operações de mercado aberto (open market) são compras e vendas de títulos do governo
promovidas pelo BC (compras e vendas no “mercado aberto”, ou seja, fora das bolsas de valores).
Se o BC compra R$100 milhões em títulos, pagando em moeda, as reservas bancárias vão aumentar
nesse valor, e portanto a capacidade dos bancos de conceder empréstimos e criar moeda aumenta.
Ao contrário, se o BC vende títulos, as reservas bancárias vão diminuir, reduzindo-se a capacidade
do sistema bancário de criar moeda.
O redesconto é o fornecimento de crédito pelo BC aos bancos comerciais (o termo se refere
a uma forma usual de concessão de empréstimos pelos bancos a empresas, pelo desconto de
títulos de dívida de compradores, referentes a vendas a prazo; o BC “redesconta” esses títulos).
Quando facilita a tomada de empréstimos pelos bancos, cobrando juros mais baixos, o BC favorece
a expansão de crédito e dos meios de pagamento; e quando sobe os juros do redesconto, isso tem
o efeito de contrair a oferta monetária, tudo o mais constante.
Os instrumentos acima visam fazer com que os meios de pagamento tenham um volume
adequado, no sentido de não ser nem muito alto, o que poderia provocar inflação, nem muito
baixo, conduzindo a uma restrição excessiva de crédito na economia. A percepção de que nem
sempre é fácil para o BC definir o que seja um volume “adequado” de meios de pagamento levou à
adoção, em vários países, a partir da década de 1990, da chamada política de metas inflacionárias.
O governo fixa uma meta de inflação julgada aceitável e o BC, em função disso, fixa periodicamente
a taxa básica de juros da economia. Caso julgue que existem pressões inflacionárias, de tal forma
que a meta de inflação possa ser ultrapassada, o BC aumenta a taxa de juros, o que tem o efeito de
reduzir a demanda por bens e serviços, diminuindo a pressão para o aumento de preços.
O Brasil adotou a política de metas de inflação a partir de 1999. A meta de inflação é
determinada pelo Conselho Monetário Nacional, formado pelo Presidente do Banco Central e pelos
Ministros da Fazenda e Planejamento, com antecedência de um ano e meio: a meta para 2012,
estabelecida em junho de 2010, foi de 4,5% de aumento anual de preços, medido pelo IPCA, com
variação de dois pontos percentuais para cima ou para baixo (repetindo a meta dos anos recentes).
O Comitê de Política Monetária (COPOM), formado por diretores do Banco Central, reúne-se oito
vezes por ano e, a partir de uma análise da conjuntura econômica e suas perspectivas, fixa a taxa
básica de juros, piso inferior das taxas de juros cobradas no mercado, até a próxima reunião. A taxa
básica de juros é a chamada taxa SELIC (sigla de Sistema Especial de Liquidação e Custódia), que é
taxa de financiamento interbancário para operações de um dia (ou overnight) lastreadas em títulos
públicos federais.
A adoção do sistema de metas não significou o abandono pelo BC da fixação de reservas
compulsórias ou das operações de mercado aberto; esses três instrumentos de controle da oferta
monetária são usados em conjunto, tomando como balizamento a meta de inflação definida pelo
Conselho Monetário. O redesconto é utilizado principalmente para cobertura de deficiências
momentâneas de caixa dos bancos comerciais.
Cabe mencionar, por fim, que o governo intervém na concessão de empréstimos pelos
bancos também no sentido de favorecer créditos a determinados setores da economia, como a
produção agropecuária, investimentos em habitação, etc. Na medida em que se exija a concessão
de taxas menores do que as do mercado nesses créditos direcionados, isso leva os bancos a elevar
suas taxas em outras operações, contribuindo para a elevação dos juros pagos por grande parte dos
tomadores.
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8. Demanda por moeda
A oferta de moeda é determinada pelo banco central e pelo sistema bancário, como vimos.
Já a demanda se relaciona às funções que a moeda exerce. Como meio de troca, a moeda intervém
na generalidade das transações; assim, fala-se que a demanda por moeda é, em boa parte,
determinada pelo motivo-transação. Nesse sentido, a quantidade de moeda que os indivíduos e as
empresas detêm se relaciona ao nível de renda e ao volume de transações. E também ao nível de
preços: se todos os preços dobram, a demanda por moeda aumentará proporcionalmente. E em
geral se supõe que, como forma de manter valor, a demanda por moeda é negativamente
relacionada com a taxa de juros (que indica o custo de oportunidade da posse de ativos em moeda,
que não rende juros) e com as expectativas de inflação (que sinalizam a perda de valor de estoques
de moeda).
Keynes classificou em dois os motivos para a demanda por moeda, além do motivo-
transação: precaução e especulação. O primeiro desses decorre da busca de um seguro contra
contingências futuras; a demanda por moeda aumentaria com o aumento de incertezas em relação
ao futuro. E o motivo-especulação decorre do fato de que, em determinadas circunstâncias, é
preferível manter valores em moeda do que em outros ativos financeiros (quando, por exemplo, se
espera uma queda no preço de outros ativos).
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